O Blog Além dos Olhos foi criado dia 18 de Março de 2012. Seu principal objetivo é descrever situações do cotidiano que algumas vezes passam despercebidas à olhares superficiais, tanto para quem escreve, como para quem lê. Ao entrar aqui, dará vazão à busca pelo entendimento sem se preocupar se irá encontrá-lo ou não. Cada linha rege a harmonia da dança dos nosso dias.
E que não se prenda em seus conceitos para que seja meu leitor, pois aqui não há uma verdade absoluta, encontre o seu sentido parafraseando significados que nascem no seu interior. Reflita, questione, refute, pense além!
Boa Leitura.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Das dores


Meus olhos só podem ver vestes brancas
As paredes brancas de um cômodo abafado
Enjaulam minha alma
Sufocada em um corpo inútil

Minhas pálpebras lutam
Entre a branquidão e o breu
Batimentos tortuosos nos monitores
Na cama de ferro a vida deixa de ser vida


O corpo é só matéria
De uma mente decomposta
Não estou mais aqui
E mais uma vez não cortam o cordão

Dói todos os dias
Eu choro por dentro
Quando vejo que choram por mim
E ninguém vê, e não cessa

Me deixa ir
E cultivar esse amor
Na eternidade da saudade
Que eu já estou a sentir

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Críticas sobre o adoecimento escolar e efeitos do excesso de medicalização no processo educacional


O adoecimento escolar, certas vezes é utilizado como válvula de escape para a ausência de sensibilidade dos profissionais que atuam na instituição escolar, podendo se estender também, aos pais e à sua maneira de olhar a angústia da criança.

Levando em conta que a criança é um sintoma dos pais, essas questões precisam ser verificadas de uma maneira mais aprofundada, que tenha como objetivo, fornecer efeitos benéficos para a criança, facilitando o seu desenvolvimento no âmbito escolar, social e afetivo.

Entretanto, vemos que nos últimos anos, o adoecimento escolar vem como uma alternativa de culpabilizar a criança, que em alguns momentos, se torna alvo das angústias, frustrações e fracassos dos próprios adultos. O excesso da medicalização é um infanticídio. Nessa dinâmica há alguém doente? Se houver, ouso afirmar que não é a criança.

Uma medicalização despudorada, acaba sendo apenas mais um transtorno no processo educacional. É gerada uma reação em cadeia onde um medicamento tenta minimizar os efeitos de outro, e assim sucessivamente. A indústria farmacêutica vira as costas para os efeitos dessa prática irresponsável. Cospe pílulas nas crianças.

O entorpecer da medicalização insere a criança num vazio onde deveria estar a palavra. Este processo nada mais é do que a renúncia dos adultos ao ato de educar. Através do cientificismo barato dos adultos, quem paga caro, são as crianças. 

segunda-feira, 3 de março de 2014

O Menininho



Despertar o interesse das pessoas nunca foi o meu forte. Sempre fiquei flutuando os meus olhos por bocas que exalavam o desinteresse. Eu raramente recebia algo além de um aceno que denunciava a pena que sentiam de mim. Eu vivia permanentemente à margem e já estava mais do que acostumada com isso. Mas de uns tempos pra cá, me tornei o centro das atenções. Todos queriam saber como eu estava, eu recebia ligações, mensagens e conseguia perceber que a minha presença era querida. Coisa que jamais havia acontecido. Era uma experiência completamente nova, que em pouco tempo foi capaz de me deixar mal acostumada. Eu adorava. Já não cabiam mais presentes em casa. Assim, eu ia esquecendo o que significava a solidão. Sempre tinha alguém comigo. As pessoas me olhavam de um jeito diferente. 

De uma hora pra outra, me tornei alvo de gentilezas. E pra quem sempre foi um estorvo, isso é algo que bagunça a cabeça. Tudo estava mudando muito rápido e eu não conseguia encontrar uma explicação. Até meu corpo estava diferente. Ganhei algumas curvas, nada atraentes. Mas já dava pra dar uma disfarçada naquele corpo magricela. As pessoas passaram a me tocar. E dava pra sentir uma mistura de cuidado e curiosidade. Difícil de entender. Mas aquilo foi ganhando uma intensidade sem tamanho. E às vezes, eu ficava até incomodada. Sentia o ar abafado e um desconforto minimamente inusitado.
Lembro quando o médico me disse que a cegueira tomaria conta do meu corpo ao longo dos anos. Mas há muito tempo, eu já havia aprendido a conviver com os vultos que me sobraram. Eu sabia que não era daí que vinha tamanho desconforto.


Hoje eu vim ver como está essa menina. Na maioria das vezes, era isso o que eu ouvia, e me sentia lisonjeada, pois que eu me lembre, já havia passado dos trinta. Eu nunca pude me deparar com os olhos de alguém fixados nos meus. Antes de tudo ser só vulto, eu vivia a margem. Com as cores do mundo apagadas. Assim como estão agora.
Aquela frase foi me tirando do sério. No fundo eu sabia que não era mais uma menina. E sabia mais ainda que ninguém queria realmente saber como eu estava. Isso já estava ficando pesado. E realmente, eu sentia um certo peso quando caminhava. Coisa da minha cabeça. Eu estava confusa.
- Podem levá-la. A ambulância está chegando.
Ouvi. E nada pude fazer. Quando percebi já estava dentro do carro.
- Hoje vamos ver o seu bebê.


Uma mulher, que para mim não passava de um abominável vulto branco, disse.
O meu corpo havia sido invadido. Sem que eu pudesse me dar conta, estava numa relação simbiótica, que para mim, agora soava muito mais parasítica. Eu não queria partilhar. Não me sentia mais nem dona de mim mesma. Era horrível, um corpo, outro corpo, no meu corpo. Bastou esticar um pouco as mãos para que eu pudesse tocar minha barriga. Algo enorme, que me pesava impiedosamente. Dei graças por estar praticamente cega. Não queria ver, o quão bizarro meu corpo estava. Eu gritava de desespero, pois neste momento vi que aquela atenção ilusória não era pra mim. Era pra esse ser, sem nome, sem cor e sem sexo. Intruso em mim. Dono de nada. 

O desespero acabou com todas as minhas forças. Me entreguei. Pude ouvir o médico dizendo que era um menino. Pouco me importa. Agora tudo se encaixava e nada fazia sentido. Menininho. Cresceu de mim. E teve tudo o que eu sempre almejei sem ao menos ter precisado estar vivo. É certo que era muito mais do que eu sempre fui. Peso morto que enfim serviu pra alguma coisa. Menininho das minhas entranhas que eu nem pude ver. Melhor. Assim ele cresce sem saber de onde veio. Aí eu terei a minha maior conquista. E não é necessário que seja em vida.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Gatilho Insensível

Confiram nossa nova música, Gatilho Insensível. 

 Em breve, postaremos outras. 

Ouçam no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=H2DVTfyV9ew



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Da pura presença





E quando não existem evidências de reciprocidade
Eu me sinto percorrendo uma estrada de olhos vendados
Por um caminho sem volta
Sem cor, sem razão e nem sentido

Quero partilhar realizações com olhares presentes
Mergulhar em sorrisos alucinantes, sem cobrança e sem pudor
Reinar sobre as permissões que traçam o meu ser
Quero intensidade, proximidade explícita e promíscua

Vangloriar a liberdade que permeia meus ideais
Ser o senhor de minhas possibilidades
Quero um colo molhado, conivente e sem receio
Quero sonhos que transbordem a alma e um coração que não caiba no peito

Deixar os dias passarem sem contá-los
Sem ter a necessidade de mensurar o que alterna minha existência
Sem rancor, sem medo e sem hora

Quero tudo o que faz parte de mim, sem limite e sem teor

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

As pílulas que (não) educam



É notório, o despudorado objetivo da indústria farmacêutica em propagar a utilização em massa dos psicofármacos. Com propagandas atrativas e uma sociedade que cada vez mais, exige soluções rápidas, o teor exageradamente liberal do mercado,  contribui para que este mercado cresça cada vez mais, com suas soluções de eficácia bastante questionável.

Não há preocupações com os efeitos iatrogênicos que estas substâncias podem gerar e isto é algo que deve ser observado com mais responsabilidade por todos nós que inescapavelmente, adentramos o campo educativo.

A medicalização é um sintoma da contemporaneidade, dominado por um discurso cientificista que impera em grande parte das relações humanas. Nossos votos narcísicos de fazer da criança um clone, contribuem para este estrondo medicamentoso, onde muitas vezes a frustração cega os pais e dá vida às pílulas. Não nos esqueçamos de que as relações, seus desdobramentos e vicissitudes, se dão através da palavra, e com isso, podemos afirmar que a criança é um sintoma dos pais.

Ao adentrar o campo educativo, devemos estar preparados para os entorses dessa dinâmica e saber que os resultados atingidos estarão sempre aquém daqueles idealizados no ponto de partida. Ou seja, a criança nunca será um clone, pois esta, como todos nós, fará o mundo à sua própria imagem, e carregará consigo, assim como diz no poema de Drummond[1] , as suas meias verdades.

O entorpecer da medicalização, insere a criança num vazio onde deveria estar a palavra, ferramenta educativa por excelência. Sem a palavra, não se formam as coordenadas necessárias para que a criança percorra seu sinuoso e singular processo de subjetivação.

A medicalização, nada mais é do que a renúncia dos adultos  ao ato de educar, gerando assim, simultaneamente, uma forma de infanticídio, onde os indivíduos, principalmente da área médica, com seu discurso fétido e cientificista, se escondem atrás de uma proliferação injustificável de patologias psicológicas para que possam mamar das tetas monetariamente resplandecentes de uma indústria porca e sádica.

Afinal, estamos mesmo, próximos do dia em que o pó e plástico substituirão a palavra?






[1] Poema Verdade de Carlos Drummond de Andrade

sábado, 23 de novembro de 2013

Assim caminha a humanidade

É mais que evidente, o fato de que nos dias de hoje, o homem está em seu estágio mais elevado no que diz respeito à aquisição de conhecimento e o domínio dos recursos da natureza, o que o proporciona uma série de possibilidades de atuação no mundo em que habita. Acredito que este ainda não é o momento par discutirmos os prós e contras dessa intensa atuação. O fato é que, a produção do conhecimento ocorre porque as coisas aparecem para o homem e ser o ser no mundo com os outros é o que permite as vicissitudes dessa dinâmica.

Diante de tanta produção, diante de tantas respostas solúveis, as perguntas perpetuam e instigam o humano que está sempre caminhando em busca de uma suposta verdade.

Ousadia eu diria, o atrevimento da metafísica de endeusar as verdades, prendendo-se ao unânime, explicitando o conhecimento e não permitindo que o ciclo tortuoso e fundamental do homem, transcorra livremente.
Como já disse Voltolini em Educação e Psicanálise:  “ ....toda visão de mundo é datada e morre em prol de outra que se instala sob o signo de sua crítica...”

Anárquica, a fenomenologia assume a tenuidade das verdades e de forma singular, permite ao homem, atuar em um método de conhecimento sobre sua própria existência.
E assim, desvelando e ocultando o que é produzido empiricamente, o conhecimento tácito se apresenta como o devir que conduz a humanidade.

O conhecimento produz um bombardeio de informações, respostas, teorias e dizeres persuasivos, até mesmo intimidadores. Porém, sempre há espaço para a propriedade, que mesmo sendo frágil, se introduz em meio ao que já está posto, podendo assim, ressignificar as experiências e produzir novas direções à serem percorridas.
Esse movimento, é o responsável pela produção da identidade , a constante imersão e submersão entre propriedade e impropriedade.

Podemos dizer que é inegável a íntima ligação que o sentido possui com a ação, uma vez que este é o fator primordial para que haja o rompimento com a biografia (algo já dado), para que então tenha-se novas significações, experiências e possibilidades de atuação e produção de conhecimento.

Os gritos do conhecimento tácito, silenciam o conhecimento explícito, mesmo que momentaneamente.


E é necessário que seja assim.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Dos abalos temporais


Poesias rabiscadas, trituradas na mente
Que saem da alma e riscam o mundo
Dizeres calados em folhas amassadas
Que enobrecem a lata do lixo

Pessoas que por mais variadas 
Repetem-se no vácuo pútrido das trivialidades
As línguas vencem os dentes
E a sépia pinta os dias

Sentado em pombas mortas
Num mar de repetições
Contemplar a fragilidade
Não mais atinge o querer

E por mais que se saiba não ser dono de si mesmo
Vale debruçar-se por só mais uma valsa
E por mais que a música atordoe em sua dissonância
Vale atirar-se à dança dos nossos dias

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Identidade


E é em você que eu me vejo
No reflexo do meu pulsar
Que te quer em mim
Sendo eu e você mais que um só

Sou aquilo que repito
Sou palavra da tua boca
E olhar do teu querer
Eu me escondo na tua morada

Que é coração meu
E a tua dor eu é que sinto
E o teu sentir eu é que projeto
Sou mais que refrão de teus lábios

E amo-te nas partes de mim que carregas
Repito-me em teu ser
Na poça que inclino o fervor de uma face
És terna regalia do meu desejo


sábado, 21 de setembro de 2013

Educação para a realidade do desejo



Todo aquele que se aventurar no campo educativo, terá que se confrontar, mais cedo ou mais tarde, com a decepção

A educação diz respeito à vida cotidiana das crianças para com os adultos. Diante disso, é impossível que não sejam estabelecidas relações ambivalentes na transitoriedade da criança, que tem seu corpo como alvo das expectativas, medos e frustrações do adulto, que por sua vez está em constante projeção profilática.
Ou seja, a criança deve caminhar pelo mesmo deserto escaldante no qual esteve o adulto, porém , com uma peneira às mãos.
Partindo destas insolúveis dualidades, podemos começar a compreender a dependência evidente do seio da vida, onde a morte opera cautelosamente, aniquilando as possibilidades de uma vida harmoniosa, o que acarreta ao homem,  um constante  desarranjo  consigo mesmo. A todo momento nos depararemos como estando meio fora de foco e reféns das mutações do desejo.
Sendo ser da falta, o humano busca por meio de diversos mecanismos, suturar este corte que é sua essência psicológica, e o faz vulnerável no campo da palavra e da linguagem.
Essa fragilidade é o que irá conduzir a educar, visto que a palavra é a ferramenta educativa por excelência, transmitindo à criança, marcas simbólicas que a possibilitam construir e ocupar um lugar numa história e assim poder se lançar às vicissitudes do desejo.

Porém, a dinâmica entre o educar e o educando, exige um constante jogo de cintura, é preciso estar ciente de que toda visão de mundo é datada, e morre em prol de outra que se instala sob o signo de sua crítica. Assim como acontece com o desejo e o que torna o efeito da palavra que um (educador) dispara sobre o outro, (educando) dependente do sentido estabelecido pelo outro. Assim, não existe caminho a ser traçado, deve-se caminhar, não rumo à uma realidade socialmente estabelecida, mas sim, para a realidade do desejo.